Por Yuri Quevedo
Prego por prego, Jean Araújo constrói uma estrutura que depois será pontuada pela cor. As batidas precisas compõem um ritmo sobre o fundo preto que atravessa o trabalho do artista em uníssono. Mas é a cor que desenha a cadência, conduzindo os olhos por labirintos óticos, transições tonais que parecem se movimentar e pulsar diante de nós. As telas expostas agora na Galeria ARTEFORMATTO apresentam uma nova etapa do trabalho do artista que vem se esmerando na composição da cor (ele produz seus próprios tons) e do ritmo, marcado pelas nuances, pausas e contrastes entre cada matiz.
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A cor. Jean Araújo prepara as tintas em seu ateliê, decompondo as cores em uma miríade de tons claros ou profundos, opacos ou brilhantes. Pinta essa escala sobre folhas de papel – do matiz mais escuro para o mais claro – que depois será recortada para a montagem do quadro. Esse procedimento preciso, paciente e bastante demorado, é fruto da experimentação cuidadosa que o artista desenvolve. Por meio dela, Jean elabora um discurso sobre a transformação de uma cor em outra e, portanto, sobre a diferença entre elas. Mas essa diversidade para o artista não é categórica, mas construída a partir da aproximação de um tom com outro; transições sutis que nos mostram que até os opostos são feitos de semelhanças.
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O contínuo fundo preto. O martelo que bate. Os pregos que estruturam. As cores que se decompõem em sensações tonais. Tudo isso nos faz pensar em uma melodia musical estruturada silenciosamente diante dos nossos olhos. Um jazz sofisticado, construído por um conjunto de instrumentos que desempenham habilmente seu papel. Sobre a base que se repete – e é comum a todos – uma batida sincopada marca o ritmo. A cor embala nossos olhos numa cadência formada de tons e pausas – nas quais a gente volta a reconhecer o fundo escuro. As mudanças, os contrastes, são momentos de criação inventiva em que uma nota desafia o curso da música. No jazz, a habilidade do músico está, muitas vezes, na sua capacidade de improviso – ou seja, de tocar sem partitura, articulando cada frase a outra, por meio de uma transição bem conduzida. Jean Araújo faz isso e, assim, executa seu jazz silencioso.
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A batida. No caso do trabalho de Jean é a estrutura feita com martelo e prego. No jazz ela tem origem nas canções de trabalho – cantadas em uníssono por um conjunto de operários que desempenham uma tarefa árdua. A música ajuda no dia a dia, as notas mais fortes coincidem com o momento de maior esforço do trabalhador, emprestando forças para ele desempenha-lo. Ver o trabalho do Jean é reconhecer batidas como essa; compreender o esforço que elas aliviam. Depois de um dia pesado de trabalho, contemplar seu ritmo com a sensação de dever cumprido.
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O jazz. É impossível pensá-lo apartado de uma realidade urbana. Mondrian entende isso quando, na década de 1940, já em Nova York cede, em sua rigorosa disciplina holandesa, à toada de uma metrópole com sua noite iluminada. Suas cores antes muito sintéticas se transformam em tons matizados que lembram luminosos. Esses quadros serão chamados de Boogie-woogies, justamente em referência ao ritmo contagiante que encanta o artista. Quem conhece os trabalhos anteriores de Jean Araújo pode encontrar alguma similaridade nas mudanças que seus quadros ora apresentam. A transição monocromática de outrora, extremamente delicada, dá lugar a uma melodia mais abrupta, calcada nos contrastes. Os tons suaves, se abrem em vibrações mais fortes, mais quentes e (por que não?) mais sensuais. Com essa reverberação da cor, o artista busca por reflexos e pulsações, coisas que nos afetam sensorialmente e que parecem nos conduzir por um caminho noturno onde tudo nos afeta. Uma paisagem escura com seus neons; uma noite de possibilidades que nos convida a aproveitá-la.