Yuri Quevedo
Nesta exposição, estão reunidos três artistas que investigam de maneira diversa a
produção da forma na arte. Marina Caverzan, sintetiza a relação entre luz e arquitetura,
opondo planos densos de carvão à superfície idealmente branca do papel. Luciana Kater
faz do papel e do tecido a estrutura que fundamenta seu trabalho, ora construindo
pequenas esculturas, ora imprimindo seus vestígios sobre tela. E Tchelo imagina
ferramentas que ao serem manipuladas geram marcas com desenhos evidentes no
suporte com que se relacionam.
Vistas juntas, essas obras nos colocam com clareza duas questões fundamentais da
prática artística: a importância dos procedimentos – do fazer – na construção do sentido
de cada trabalho; e a potência que a arte tem de definir – e de nos fazer ver – o espaço
entre as coisas, o vazio entre as formas. Assim, esses trabalhos são pensamentos sobre a
interação daquilo que vemos e reconhecemos como coisa e o que está ao seu redor. Ao
fazerem isso, propõem configurações e abordagens diversas do espaço e de nossa ação
sobre ele – inventando um modo de ver aquilo que está entre as formas – que também
podemos chamar de mundo.
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Marina Caverzan observa a relação entre a arquitetura e o vazio organizado por ela; por
onde a luz penetra abrindo frestas ou sombreando aquilo que não toca. Interessada
nessa interação a artista busca sua síntese, afastando-se da representação de detalhes,
analisando claridade e escuridão como valores em si. Traça linhas de grafite e depois
encontra o preto no carvão matérico que, com precisão, delimita áreas inteiras no papel.
Em suas fronteiras, vemos essas áreas sólidas se desfazerem em pequenas texturas de pó
que dão uma leve impressão de pulsação da cor. Já a claridade está no vazio do suporte,
que se estrutura a partir da relação com os planos pretos. A artista produz esses espaços,
identificando-os materialmente com o papel, sua gramatura e características. Ao definir o
vazio, o entre, Marina Caverzan distingue a forma; assim como ao distinguir uma coisa
das outras nós podemos estudá-las, conhecê-las e até nomeá-las.
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Luciana Kater encontra estrutura e tridimensionalidade de materiais geralmente
entendidos como moles e planos. Para isso, faz da dobra uma ação fundadora desses
trabalhos. Ao dobrar um papel sobre ele mesmo, a artista cria planos distintos e ao
mesmo tempo contínuos – que oscilam diante de nós – entre a forma e o espaço. A esses
entres a artista está atenta a ponto de qualificá-los na interação com outros materiais
como a pedra e o cobre. O resultado é a valorização de um espaço maleável, que ao
dobrar-se acaba por expandir e acolher outros elementos em si. Nas monotipias, que são
impressões de um tecido sobre o papel, de novo as dobras são a estrutura da forma.
Mas aqui, o vazio criado por elas é o espaço da memória, que guarda vestígios do
tempo: a lembrança do contato do tecido com o papel e ausência daquilo que não está
mais ali.
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O trabalhos de Tchelo partem da fabricação de elementos – ferramentas – que ao serem
manipuladas provocam um desenho. Eixos e esferas de madeira carbonizada que
pivotam para gerar círculos e traçar linhas. Linhas que a força da gravidade marca ao
fazer escorrer a tinta por uma superfície. Marcas que dados entintados imprimem ao
serem lançados em um jogo de sorte. Em cada um desses trabalhos o artista define a
ferramenta, mas não a forma que ela produzirá. Esse vazio será preenchido pela ação. E
é com atenção ao acaso – e às falhas e lacunas – que o artista propõe sua relação com as
coisas, sem defini-las a priori. Encontrando sentidos para a ação, atribuindo-lhe
discursos, para então se surpreender com o resultado que ela terá ao interagir com
mundo em que se inscreve.