26 de junho de 2023 a 26 de julho de 2023

A ossatura das coisas

Al. Gabriel Monteiro da Silva, 1364

A poética de Graziela Guardino abre mão de grandes didatismos, panfletagens, explicações e materiais. Utiliza madeira, como estrutura, e o linho como suporte, abrigando sempre um monocromo de tinta acrílica. E isso basta. E basta porque é o essencial. Ela se interessa pela essência, pela estrutura, pelo esqueleto de tudo. Por aquilo que mais primacialmente nos conforma. Qualquer ruído além poderia desconcentrá-la nessa difícil busca, ainda mais desafiadora em tempos barulhentos.

Nesse sentido, é justo pensar seu trabalho em paralelo com o deserto. Assim como essas regiões, suas telas são puro suporte, lisas, sem ângulos. Se apresentam como luz e cor. Visualmente econômicas, como vastidões de areia. E, tal qual elas, fascinantes, pois em seu silêncio revelam suas sutilezas e mistérios.

Guardino não grava nada sobre o seu suporte, que é o linho. Apenas o explora em diferentes configurações: tecido, desfiado, puxado, desalinhado, dobrado, destendido. Ele sempre está lá, sob um chassi de madeira, ora coeso, ora disperso. E a artista intercala e joga com essas diferentes situações.

Você pode dobrá-lo, mas não pode quebrá-lo, é uma configuração elegante. Duas telas de linho cru laranja se encontram, formando um gracioso e discreto ângulo agudo. Por essa delicada abertura, se descortina, como uma delicada mecha de cabelo, um conjunto de sinuosos fios de linho, da mesma cor de seu suporte. Embora tenhamos aqui a mesma cor manifesta em diferentes materialidades, o tom geral da estrutura é altamente sensual. Sem Título, por sua vez, consiste em uma peça de tecido suavemente pendurada no espaço, que se inicia a partir de dois delicados pontos no alto e se esparrama pelo chão. É composta de faixas intercaladas de tecido branco liso e fios. A consistência das últimas, contudo, desalinhada, sugere que foram alvo de gestos agressivos: um rasgo, um material abrasivo, talvez até a passagem do tempo (e sabemos como ela é cruel). Ao se espalhar pelo chão, a composição se desmancha em um conjunto de fios sem significado, que se vistos isoladamente não sugerem que aquela balbúrdia é o que compõe um material íntegro.

Graziela Guardino gosta da estrutura porque é ela quem conforma as coisas. É o que mantém o mundo unido, como uma ossatura. E como boa artista, gosta de criar a partir da mesma, estudar suas configurações, formas e estados de espírito. E aí entra a importância do material e do gesto que o configura. Falamos não de ossos, pedras ou vísceras, mas de tecidos, que carregam uma natureza a princípio frágil mas que, como nos mostra a artista, podem assumir incontáveis configurações a depender do gesto ao qual são submetidas: sensuais, elegantes, tensas, doloridas, incompletas, vazias, exuberantes e instáveis. Uma matéria delicada, e que por sua delicadeza pode se (re)organizar elegantemente em situações que, ainda que silenciosas, podem contar muito sobre nossas formas de estar no mundo, de existirmos.

Texto de Theo Monteiro

Fotos

Artistas