Sobre a corda bamba
A Exposição Cambiantes, de Valéria Costa Pinto, é composta de dois processos de trabalho que são opostos e complementares – “Linhas e variações” e “Incisões”. Partindo-se do momento em que vivemos, de grande incerteza e instabilidade, os trabalhos aqui apresentados por Valéria desvelam, de maneira silenciosa, sua visão antagônica de mundo. Em “Linhas e variações”, percebem-se traços em moto-continuo formando ondas, círculos e retas sobre a superfície rugosa, os quais, seguem sem destino, tentando driblar os obstáculos da superfície. Esse gestual de linhas orgânicas não tem começo nem fim: elas simplesmente passam em fluxo contínuo vindas de lugar nenhum indo para não sei onde. Improvisam desvios e formas. São imprevisíveis e imprecisas.
Em situação oposta, estão as “Incisões”, tanto na organização da superfície, rigorosamente estruturada, como no cálculo de seus objetivos. Aqui, a forma precede a execução. O estilete afiado corta o papel com precisão e eleva as partes, criando novos relevos e modificando sua configuração. Tudo é cálculo sobre terreno movediço.
O papel, matéria viva, tão frágil e tão resistente, é a sua ferramenta de ofício. É sobre ele que Valéria se debruça para preparar a base de seu trabalho, avançando dobra por dobra, sempre em folha única. A imagem icônica do círculo, que percorre sua obra desde o início, talvez seja uma tentativa de unidade nesse território tão fragmentado em que vivemos. E, como um equilibrista sobre a corda bamba, vamos caminhando, concentrados no próprio caminho.