27 de outubro de 2023 a 26 de novembro de 2023

Natureza e Artifício | Extinção e Consumo

Al. Gabriel Monteiro da Silva, 1364, São Paulo – SP

As obras de Bruno Miguel e Vítor Mizael se encontram nesta exposição representando processos opostos sobre as nossas naturezas. De um lado, encaramos as construções excessivas do capital, da indústria e do consumo. De outro, nos deparamos com a natureza animal, o instinto, a fragilidade e a sobrevivência. Estamos diante de um paradoxo em que a ordem das coisas é desafiada para nos fazer entender que não se tratam de proposições tão distantes. Desejo de consumo e instinto de sobrevivência, extinção e criação, abstração e figuração, são algumas das relações aqui postas.

Bruno Miguel apresenta uma seleção de obras que retratam a nossa relação com o consumo, na série ‘O Vazio que Nos Consome’. Nela, em embalagens de alimentos coletadas em sua casa ao longo de anos, o artista demarca o interior das sacolas, o negativo, eternizando esse espaço vazio.

Já na obra da série ‘Sala de Jantar’, ele aplica diversas técnicas sobre pratos adquiridos em leilões de antiguidades e os resinifica ao deslocá-los para a parede. Esses dois exemplos nos fazem perceber questões de descarte, de consumo, de finitude e ressignificação de objetos cotidianos a partir de uma perspectiva crítica e propositiva.

Vítor Mizael trabalha com elementos da natureza, como plantas e animais, em desenhos figurativos que demonstram um olhar atento. A flora e fauna retratadas não são vistas de forma domesticável ou contida, e sim como seres livres, desejosos e vorazes. Seja pelas raízes ou pelo bote da serpente, percebe-se uma força inerente nesses seres.

A peça que retrata serpentes pintadas sobre azulejos antigos estabelece uma conversa direta com a obra da série ‘Sala de Jantar’ de Miguel, ambas com base em elementos obsoletos pelo capital e cheios de memória afetiva. Perceber a relação destes dois corpos de trabalho nos alerta para as múltiplas perspectivas de mundo possíveis. Alguns teóricos dizem que vivemos na era do Antropoceno, uma nova época geológica diretamente afetada pela ação humana na Terra. Outros preferem nomear nosso tempo como Capitaloceno, considerando não a humanidade, mas o capitalismo como responsável pelos impactos geológicos causados pelas atividades econômicas. Perspectivas radicalmente opostas sobre a crise ecológica mas que são também complementares, como as obras em questão.

O pesquisador Justin McBrien nos ensina que “o capital nasceu da extinção, e do capital a extinção fluiu. Há aqui uma ‘fenda metabólica’ — entre a terra e o trabalho — movida pelas contradições da acumulação infinita”. Ou seja, a relação direta entre tais eixos, que antes se apresentaram como opostos, agora estão vinculados, dadas as lutas ambientais e o capitalismo desenfreado.

Tudo o que produzimos é inerentemente ambiental, é natureza e existe em relação a outros elementos. Ao coletar materiais e reaproveitá-los em suas obras, os artistas expressam a relação com o descarte e o desaparecimento. Nas palavras do artista Bruno Miguel, “tudo é instantâneo, acelerado, relacionado à moda, e se torna obsoleto em pouco tempo. Aprendemos a viver em um mundo de descartabilidade, e com isso criamos nossas defesas e nossos ataques. Tornamo-nos uma geração essencialmente irônica com a história”.

Estamos diante da insustentabilidade de um modo de existência que vem providenciando uma série de extinções não só de espécies, mas de visões de mundo, uma perda profunda da biodiversidade. É o consumo de recursos naturais que faz crescer os contextos mais automatizados e artificiais dos quais a humanidade se tornou dependente. Buscamos reconstruções que apontem uma nova maneira de pensar a humanidade na natureza e a natureza na humanidade.

Mizael e Miguel exploram o limite entre o natural e o artificial ampliando a nossa consciência como agentes da natureza. De acordo com a teórica feminista, Donna Harraway, “buscamos um fazer com outras entidades, em vez de fazer a si mesmos, a fim de construirmos juntos futuros mais habitáveis”. Os artistas, cada um à sua maneira, estão propondo a construção de paisagens híbridas e coletivas que nos fazem circular outras camadas de conhecimento sobre quem somos e o que fazemos.

Catarina Duncan
Outubro de 2023

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